Um golpe na ciência e tecnologia do Nordeste

O governo Temer publicou  o decreto n. 8.877 que define uma nova estrutura regimental e um novo quadro de cargos para MCTIC, que na prática extermina a Representação Regional do MCTI no Nordeste (ReNE),  junto com seu Conselho Consultivo
Uma das primeiras decisões do atual governo brasileiro foi a mudança nas estruturas de alguns Ministérios, visando reduzir custos e enxugar a máquina administrativa.
Inicialmente, fez a junção do Ministério da Cultura com o Ministério da Educação, que não se concretizou porque os artistas se uniram e protestaram mostrando a importância da Cultura para o país e que tal junção era fora de propósito. Como os artistas têm poderes midiáticos, o governo voltou atrás em pouco tempo.
A outra medida esdrúxula foi a junção do Ministério das Comunicações com o de Ciência Tecnologia e Inovação, ambos de extrema importância para o país, mas com objetivos diferentes.
Como afirmou o físico e ex-ministro de C&T do país Sérgio Machado Rezende, “a economia da fusão é mínima, enquanto que os prejuízos são enormes — tanto do ponto de vista prático quanto simbólico. A ciência e tecnologia perderem importância”.
A reação de repúdio da comunidade acadêmica tem sido grande, como o ato ocorrido na reunião anual da a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência em Porto Seguro-Bahia; ou o posicionamento da Academia Brasileira de Ciências; entre outras instituições de pesquisa e renomados cientistas. Apesar dos protestos, o governo tem demonstrado estar com os ouvidos blindados às opiniões do setor.
A medida adotada pelo governo Temer põe em risco os avanços obtidos pela Ciência e a Tecnologia do Brasil, desde a criação do MCT em 1985. Entre os anos 2000 e 2014, foram investidos pelo MCTI R$ 5 bilhões, o que representou um crescimento de 427%. Os exemplos dos resultados em inovação e ciência e tecnologia são vistos em setores como a indústria de fármacos, na Agência Espacial Brasileira (AEB), no Programa Nuclear Brasileiro e empresas como a Petrobras, Embraer, Eletrobrás e Embrapa, entre outras.
Sem Ciência e Tecnologia ficamos mais dependentes. São os investimentos em C&T que podem criar bases para superarmos nossa condição de dependentes de commodities e nos inserirmos nas cadeias produtivas mais dinâmicas e de maior valor agregado.
Nas últimas semanas, um novo golpe foi dado na comunidade científica do Nordeste. Sem diálogo com essa comunidade, e sem debate no Congresso Nacional o governo Temer, publicou o decreto n. 8.877 que define uma nova estrutura regimental e um novo quadro de cargos para MCTIC, que na prática extermina a Representação Regional do MCTI no Nordeste (ReNE), junto com seu Conselho Consultivo.
Criada pelo Decreto nº 5.886 de 06 de setembro de 2006, como unidade descentralizada, dotada de flexibilidade e autonomia gerencial, cabia a ReNE/MCT exercer um forte papel de articulação, mobilização, acompanhamento e avaliação das ações do MCT na região, potencializando suas ações de modo a: “participar ativamente do desenvolvimento e modernização do País, atuando como núcleo indutor de novas tecnologias de caráter estratégico que permitam promover o progresso e o avanço tecnológico voltados para o desenvolvimento social/econômico/ambientalmente sustentados e a melhoria de qualidade de vida da região Nordeste.”
Em seus 10 anos de funcionamento, a ReNE teve como missão combater as assimetrias características do desenvolvimento brasileiro, atuando como indutora de novas tecnologias de caráter estratégico para o Nordeste.
A ReNE contava com duas importantes instituições de pesquisa: o Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (CETENE) e o Centro Regional de Ciências Nucleares (CRCN). Com investimentos de R$ 37,4 milhões, o CETENE estruturou uma importante rede de pesquisa em nanotecnologia envolvendo 26 laboratórios de 11 instituições de pesquisa e ensino de seis Estados do Nordeste, produzindo potencialidades em áreas como energia, agronegócio, alimentos, meio ambiente, fármacos entre outros.
Por meio de uma portaria do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) publicada no Diário Oficial da União em 8 de setembro de 2010, foi criado o Conselho Consultivo da Representação Regional do Ministério no Nordeste, composto por representantes de órgãos, instituições e entidades públicas e privadas que atuam na promoção, gestão e fomento de atividades de pesquisa, de desenvolvimento de novas tecnologias e inovação; de entidades da sociedade civil consideradas relevantes para o progresso científico e tecnológico do Nordeste; bem como de representantes de colegiados do poder legislativo;  da SBPC;  da ABC; do CNA; da ANDIFES; do FOPROP; do CNI e do Ministério da Integração Nacional. Tal Conselho tomou posse no dia 17 de dezembro de 2010, em reunião presidida pelo então Ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende.
O Conselho Consultivo tinha as seguintes atribuições:
– Propor políticas, programas e ações de interesse estratégico, no campo de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), para o desenvolvimento da região Nordeste a serem implementadas por agências de fomento nas esferas federais, estaduais e municipais, associando, no que couber, a atividades de cooperação com as unidades de pesquisa instaladas no Campus MCT Nordeste;
– Definir mecanismos de acompanhamento e avaliação de resultados das ações e programas dos diversos agentes de apoio e fomento às atividades de CT&I, em particular das políticas de CT&I dos Estados da região Nordeste, com ênfase aos aspectos socioeconômicos;
– Identificar e estimular articulações regionais que visem novas áreas de atuação para o desenvolvimento tecnológico regional, bem como propor programas que visem consolidar os projetos já existentes, potencializando a ação do Ministério na região como um todo e, em particular, maximizando a atuação do Campus MCT Nordeste nos Estados da região;
– Sugerir a elaboração e execução de diagnósticos e de estudos prospectivos para subsidiar a formulação de políticas e a definição de estratégias de desenvolvimento regionais;
– Subsidiar o Ministério na identificação de instituições atuantes no campo de CT&I, sediadas na região, com reais potencialidades de participação no Programa de Entidades Associadas às Unidades de Pesquisa do MCT.
Juntando-se as atribuições da ReNE com as de seu Conselho Consultivo, certamente, todo o desenvolvimento científico, tecnológico e inovador do Nordeste estava amparado por uma unidade diretamente ligada ao governo federal.
Não poderia haver notícia pior para o Nordeste. A extinção da ReNE corrobora com a quebra de continuidade na execução da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. É uma medida que vai no sentido oposto do que se espera, de um momento em crise econômica, onde os países investem em C&T visando produzir conteúdo inovador na produção de bens e serviços.
Um país que abre mão da  pesquisa em C&T e se nega a constituir um projeto nacional de desenvolvimento, está fadado a se manter na periferia, consumindo tecnologia produzida por países desenvolvidos.
Mas a reação certamente virá, pois no Congresso Nacional a bancada nordestina não vai aceitar essa medida inconsequente e contra uma região tão importante para o país como é o Nordeste. A luta está só começando.

José Antônio Aleixo da Silva
Professor titular da UFRPE e membro da Diretoria da SBPC.

Luciana Santos
Engenheira eletricista e deputada federal do PCdoB.

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